Mercado de orgânicos vive boa fase no delivery e internet

RIO – À espera de um bebê, pai e mãe passam a se questionar sobre o tipo de alimentação que desejam para o filho que vem por aí e para o seu próprio futuro.

Começam a procurar por produtos orgânicos, mas esbarram na questão do preço elevado nos supermercados e na dificuldade de se encontrar frutas, verduras e legumes sem agrotóxico em qualquer canto da cidade. Assim, quase junto com o nascimento das crianças, surgem iniciativas como uma empresa de entregas de cestas de orgânicos, a Orgânicos In Box, e um supermercado on-line praticamente só com produtos desse tipo, o Organomix. Engajados e empreendedores, consumidores vêm ajudando a criar um mercado de orgânicos no Rio para lá de aquecido, com direito a grupos de compras coletivas na internet e agricultores que disponibilizam seus produtos na rede.

Tainá, hoje com 8 meses, ainda estava na barriga da mãe quando o casal Aline Santolia e Eduardo Rodrigues começou a imaginar o que seria a Orgânicos In Box, pequena empresa familiar de entregas de cestas. Eles haviam voltado da Califórnia e queriam trabalhar com alimentação, mas ainda não sabiam em que área. Chegaram à distribuição de orgânicos quase ao mesmo tempo em que Aline engravidou.

— Acho que foi a Tainá que deu o empurrão. A gente nunca quis comer alimento com veneno. Um saco de sementes com agrotóxico tem até desenho de caveira, já viu? — pergunta Eduardo.

No início, há um ano, os pedidos vinham dos amigos e somavam 30 cestas por semana. Hoje são 170. Alguém deu a ideia de montar um grupo no Facebook para organizar a história toda; agora são 6.500 inscritos por lá. O surfista Carlos Burle é um dos clientes:

— Minha mulher descobriu. Já tínhamos costume de comprar orgânicos no supermercado. A cesta acaba dando a possibilidade de consumir produtos mais frescos, colhidos há menos tempo.

Os preços variam entre R$ 55 e R$ 120, e os pedidos são entregues na Zona Sul, em Santa Teresa, na Barra e na Tijuca.

Em outro canto da cidade, na Ilha do Governador, Pedro Sanctos Vettorazzo teve que deixar a bicicleta que usava para fazer entregas, pois ela já não dava conta da grande quantidade de pedidos. Ele é um dos únicos que prestam este tipo de serviço na região. A sua Horto Vitae surgiu em 2013, quando Pedro tentava encontrar “um emprego que respeitasse outros seres humanos e animais’’. Os produtos das cestas são escolhidos pelo cliente a partir de uma tabela disponível no site. Espinafre custa R$ 4, o quilo de abóbora, R$ 8, alface crespa é R$ 3,50, e por aí vai:

— Antes de começar, fui à Ceasa em busca de orgânicos. Eram uns 200 produtores, ninguém trabalhava com isso (risos). Eu não sabia que lá nem existia orgânico. Um deles me indicou a Feira da Glória e foi assim que montei uma rede.

Foram as feiras que fizeram o produtor de orgânicos do Rio deixar de ser “invisível” para o grande público. A da Glória foi a primeira, mas, desde 2010, vieram as do Jardim Botânico, a de Ipanema, a do Bairro Peixoto… Hoje o Circuito Carioca de Feiras Orgânicas contabiliza 14 pontos e até o fim do ano serão 18, de acordo com a Secretaria Especial de Desenvolvimento Econômico Solidário (Sedes), da prefeitura. Estão previstas novas feiras no Parque Garota de Ipanema, no Grajaú, na Ilha do Governador e no condomínio Parque das Rosas, na Barra.

— No primeiro ano do circuito, os produtores faturavam R$ 700 mil. Em 2014, o montante ficou em torno de R$ 7,7 milhões — afirma a diretora de economia solidária e comércio justo da Sedes, Ana Asti.

Com uma maior oferta, os preços dos orgânicos, que costumam assustar, começaram a ficar mais convidativos. Nas feiras, os folhosos custam quase o mesmo que as verduras comuns, segundo Cristina Ribeiro, coordenadora executiva da Abio (Associação de Agricultores Biológicos do Estado do Rio de Janeiro):

— O compromisso das feiras orgânicas é tentar sempre manter os produtos de 30% a 40% mais baratos que nos supermercados. As folhagens, por exemplo, custam de R$ 2 a R$ 3,50.

Na comparação entre o que sai mais em conta, comprar na feira ou pedir uma cesta, os valores se equiparam quanto maior for o pedido no delivery. A “cesta da abundância’’ oferecida esta semana pela Orgânicos In Box, por exemplo, que conta com 20 itens, entre eles produtos mais caros como shiitake e tomate italianinho, sai a R$ 99 — R$ 90, além da taxa de entrega de R$ 9. Este é o mesmo valor que o consumidor gastaria na feira comprando os mesmos 20 itens, levando em conta o preço médio praticado pelos produtores de orgânicos que vendem os seus produtos por ali.

CONSUMIDORES ATIVISTAS

O que normalmente motiva as pessoas a comprar orgânicos é a busca pela comida saudável. Mas em pouco tempo muitos descobrem que consumir este tipo de alimento envolve outras questões, tão importantes quanto a primeira.

— Quem chega ao orgânico percebe que por trás há uma filosofia de não poluição e que, com a compra, há geração de renda para quem vive no campo. O consumidor se torna um agente político ao fazer esta escolha — analisa Ana Asti, diretora da Sedes.

Entre os 16 mil participantes do grupo de compras coletivas Comida da Gente, há vários desses consumidores ativistas. Tudo começou há dois anos, quando um conhecido de Tatiana Dutra Perez deu início a uma produção de tomates sem agrotóxico na fazenda herdada do avô. Alguém ofereceu o produto para ela, que por sua vez perguntou a amigos se eles tinham interesse. Em pouco tempo, sua casa estava abarrotada de tomates.

— Publiquei no Facebook algo como “Pessoal, tem tomate orgânico. Quem quer comprar junto comigo?” Na primeira semana encomendei 20 quilos; na segunda, 30. No final eram 40 quilos todas as semanas — ri.

Para colocar ordem nos pedidos, ela e o marido criaram o grupo no Facebook, que funciona como uma espécie de ponto de encontro de consumidores e produtores, onde são organizadas as listas de compras — são cerca de cem abertas por mês. Qualquer um pode dar início a uma lista, basta conseguir o contato de um produtor e acertar os detalhes com ele. Quem tiver interesse pode se juntar na compra. As encomendas são entregues em alguns poucos endereços e quem se inscreveu deve ir buscar. Com isso, alguns produtos chegam a custar 50% menos. É o caso do chocolate e do arroz.

— Um dos pilares do grupo é o respeito pelos produtores e por sua maneira de trabalhar. Queremos fazer algo sustentável para todos. Os produtos saem mais barato porque as entregas são otimizadas, o que diminui o custo — explica Tatiana, que tem uma distribuidora de cinema e se divide com outros participantes na organização do grupo.

Na Junta Local, iniciativa que aproxima pequenos produtores do público em feiras que acontecem regularmente, também há um sistema de compra e venda de cestas, que neste caso são chamadas de sacolas. Os interessados escolhem os produtos pelo site — de frutas e verduras a bolos, geleias e queijos — e buscam na data marcada.

— O foco é no comércio justo, com margem alta para o produtor e preço baixo para o consumidor. Orgânico não é produto de elite, comida boa tem que ser para todo mundo. Começamos vendendo 30 sacolas e, nas últimas edições, foram mais de 200 pedidos — explica o cientista político Thiago Gomide Nasser, um dos fundadores da Junta.

Com tantas possibilidades de encontro entre produtores e público, não é de se estranhar que vários sítios, por conta própria, tenham começado a fazer suas entregas de cestas e pedidos em geral. O Lagoa Orgânicos, que fica na bicentenária Fazenda Lagoa em Teresópolis, oferece duas possibilidades de cesta, uma com 10 a 12 itens e outra com 8 a 10, com temperos, verduras, legumes e pelo menos uma fruta. Cerca de 75% das entregas são para a Zona Sul, mas tem pedido na Tijuca, em Inhaúma, na Pavuna, em Niterói… Alcimar Espírito Santo, que juntamente com sua mulher Paula Johns toca o negócio, diz que existe demanda em todo o território.

— Já começamos a nos engraçar por Duque de Caxias — brinca. — Fizemos cinco entregas por lá, mas ainda é um projeto-piloto. Hoje entregamos, em média, 650 encomendas por mês, o que é um número bastante considerável.

Leia mais no Globo

No Comments

Sorry, the comment form is closed at this time.